Crux ave, spes única

O sinal da cruz é o sinal do cristão por excelência. Fazemo-lo, como católicos, várias vezes ao dia. Começamos a Santa Missa com o sinal da cruz e, no fim desta, ao receber a bênção, declaramos novamente gestualmente nossa pertença à Santíssima Trindade.

A cruz é simplesmente o sinal máximo do amor de Deus por cada ser humano. Ela é a expressão do amor do Verbo encarnado a seu Pai, Deus: “o Pai me ama porque dou a minha vida… é preciso que o mundo saiba que eu amo o Pai e faço como o Pai mandou.” (Jo 10,17 e 14,31).

O Filho amado do Pai, amado pelo Pai por toda eternidade, encarnou-se para sofrer e morrer. Esse é fio condutor de sua vida, como ele mesmo diz: “Pai, livra-me desta hora? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27). Jesus quis oferecer-se ao Pai, satisfazer sua justiça e seu amor, reconciliando, assim, os homens com Deus. Quis também amar os homens com amor incomparável, morrendo no lugar de cada um, para redimir a todos.

Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Amor ao Pai – como mostra a trave vertical da cruz; amor aos homens – como mostra a trave horizontal. Ideal que nos tornará um santo reconhecido.

O Concílio de Trento ensina que, por sua santíssima Paixão no madeiro da cruz, Jesus mereceu-nos a justificação (Concílio de Trento, Sess 6ª, Decretum de iustificatione). A justificação como nós, católicos, entendemos é muito mais ampla e profunda que a visão protestante de uma mera imputação da parte de Deus que considera o pecador justo, ela comporta a remissão dos pecados, a santificação e a renovação do homem interior (idem). Ou seja, para nós, quando Deus nos justifica, ele nos torna de fato justos.

Em palavras simples, Cristo deu ao Pai o que ele merecia e o que não poderíamos dar e consegue assim a nossa redenção, que não merecíamos. Podemos ser amigos de Deus novamente por meio dos sacramentos e da fé. O preço de nossa redenção foi alto e ele sabia disso, pois é Deus. Sabia também toda ingratidão e indiferença de nossa parte mesmo depois de tão grande prova de amor.

E nós, que nos persignamos, nós, que fazemos o sinal da cruz… O que tudo isso significa para nós? Em alguns casos, um mero ritual, mas não deveria ser assim! Deveria significar muito mais: em primeiro lugar, a fé no amor de Deus (cujo sinal máximo é a cruz) – fé – que cresce com o exercício da leitura, da reflexão e da oração; fé que deveria nos levar a uma grande gratidão e ao impulso de corresponder o amor com amor.

E esse amor é cruciforme como sempre ensinou Jesus Cristo quando diz que devemos renunciar-nos: “e quem não carrega sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,27). Quando diz também que o grão de trigo deve morrer (Jo 12) entre muitas outras passagens… O amor cristão implica renúncia, sacrifício, implica muitas vezes dor. Implica, sem dúvida, paciência.

Paciência que é visível e palpável em Jesus crucificado. Veja: ele não foge da dor e mantém a calma, o domínio próprio, sempre. Essa sua paciência vem do fato de que mais do que preso à cruz, Jesus estava preso ao Pai no Espírito Santo.

A paciência, disse Deus Pai a Santa Catarina de Siena em seu Diálogo, é o que torna o amor perfeito.
Se nós queremos ter essa paciência em nossos sofrimentos cotidianos precisamos também estar presos ao Pai, ao Filho e ao Espírito. Isso só acontecerá quando nos acostumarmos a ver em cada tribulação o Cristo nos oferecendo a participação em sua cruz. A Imitação de Cristo diz que o Senhor nos visita com a consolação e com a tentação/provação (a cruz!).

De dois modos costumo visitar meus eleitos: pela tentação e pela consolação” (Imitação, III, III).
Repito: para amar de maneira mais perfeita, precisamos da paciência: não fugir do sofrimento e manter a calma e, se possível, até a alegria no sofrimento. Mas nossa tendência é parar antes! Quando surge a dor, o sofrimento, o sacrifício, dizemos: “isso já é demais!” ou “estão abusando de minha bondade”. Não vemos além: o Deus providente que age nessa situação, o Cristo com a cruz que pede ajuda, os pecadores que poderíamos ajudar com nossos sacrifícios e orações como pediu nossa Mãe Maria Santíssima em Fátima.

Amar, fazer o bem… Queremos… Desde que custe muito pouco ou nada! Amar, fazer o bem, rezar a Deus… Enquanto isso me fizer bem (leia-se: enquanto eu me sentir bem).

Será isso amor de verdade? Fazer o bem apenas enquanto me sinto bem. O amor não pensa em si, ele doa-se até o sacrifício. Não acho necessário apresentar algum argumento além deste: apenas olhe o crucifixo mais perto de você demoradamente e com atenção e você verá que é assim.
Se fizermos o bem enquanto está “bem” para nós, enquanto nos sentimos bem, o que é isso senão egoísmo? Não é o amor cruciforme que purifica-nos de todo egoísmo.

Descendo ao plano prático, se quisermos realmente amar, precisamos amar a cruz antecipadamente; precisamos renunciar à vontade própria; amar os não amáveis, rezar pelos “piores” e falar do amor de Deus a eles; aproximarmo-nos dos antipáticos que conhecemos; servimos nas tarefas mais humildes; aceitarmos a vontade do próximo sempre que possível; rezar quando não há gosto nenhum nisso, buscar a Deus mesmo na escuridão; desapegamo-nos de toda criatura ainda que custe; aceitar a providência divina no momento atual: chuva no dia de passeio, calor insuportável, o pneu do carro que fura no meio da avenida; aceitar as perdas, as doenças e acidentes como vindas das mãos do Pai a quem nos entregamos; perdoar 70 vezes 7 e aceitar as humilhações.

Para isso nos ajude o sinal da cruz que fazemos tantas vezes. Na próxima vez que você fizer o sinal da cruz: lembre-se da cruz de Cristo que nos salva e lembre-se do amor e da renúncia com os quais você quer segui-lo.

Gostaria de terminar com um texto de Isaque de Nínive, que para os ortodoxos é um santo bispo do século VI. Este texto representa para mim um projeto completo de vida no seguimento de Cristo e na imitação de sua cruz:

Deixa-te perseguir, mas não persigas.
Deixa-te crucificar, mas não crucifiques.
Deixa-te ultrajar, mas não ultrajes.
Deixa-te caluniar, mas não calunies.
Alegra-te com quem se alegra e chora com quem chora.
Este é o sinal da pureza.
Sofre com os doentes. Aflige-te com os pecadores.
Exulta com os que se arrependem. Sê amigo de todos.
Porém, no teu espírito, permanece só.
Estende teu manto sobre o que caiu em pecado e cobre-o. Se não podes tomar sobre ti sua culpa e sofrer em seu lugar o castigo e a vergonha, não o censures.
(Tratados ascéticos, 58º).

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