“Fazei tudo o que Ele vos disser!”

A experiência humana revela que há dois tipos de relação pessoal, onde o amor se manifesta por meio de um silêncio de comunhão. O primeiro tipo é o amor esponsal. Quanto mais um casal se conhece, tanto menor é a necessidade de palavras entre si para manifestar o seu amor, e ao mesmo tempo crescem no seu desejo de união. O segundo tipo é o amor filial. Ao bom filho, dotado de verdadeira piedade filial, basta um olhar da mãe ou do pai para que este saiba o que deve fazer, ou deixar de fazer.
Um olhar, um gesto, uma presença fala mais que muitas palavras.
Ao celebrarmos o encontro miraculoso da pequenina Imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do Rio Paraíba, tudo isso nos vem à mente, porque o amor de Maria SS., revelado ao povo brasileiro, manifesta um amor de comunhão muito grande e refinado, cujo selo principal não poderia deixar de ser o silêncio.
Silêncio de comunhão, que tem como próprio justamente a ausência de palavras, pois quem vive este tipo de amor sabe-se acolhido, compreendido em seus desejos; numa palavra, amado.
De fato, não foi necessário que Maria dissesse aos três pescadores quem ela era. Eles sabiam: é a Virgem Maria! Não foi preciso pedir-lhes que a levassem para casa. Eles a acolheram naquilo que era deles. Não foi necessário pedir-lhes que rezassem o terço. Eles lho ofereceram. Tampouco foi preciso pedir que lhe construíssem uma capela. Eles a ergueram. E depois deles, milhares de outros construíram uma igreja e, depois, um santuário, o maior dedicado a ela, a Virgem Maria.
MARIA não precisou nos dizer que era a Soberana do Céu. Nós o descobrimos, por isso a vestimos com um Manto e a coroamos Rainha do Brasil.
Que grande confiança, que grande amor Maria nos revelou! E tudo isso sem precisar dizer palavra alguma. E se assim agiste, Maria, era porque sabias: eles me compreenderão, porque me amam.
É importante ressaltar que essa maneira de se comunicar, falar no silêncio, é um modo em primeiro lugar próprio de Deus. Mas, porque Maria é a criatura que mais se assemelha a Deus em tudo, ela o pode imitar no seu agir, e de maneira a mais perfeita possível.
No entanto, para compreendermos melhor esse tipo de comunicação, por meio do silêncio de comunhão, precisamos saber que, embora na ausência de palavras, Deus, bem como Nossa Senhora, deixam — no dizer de Santo Agostinho — o seu rastro, a sua pegada, a sua marca inconfundível. E esses são os sinais que seguem as manifestações divinas, bem como as manifestações de Nossa Senhora.

Em Aparecida, sucedem à manifestação miraculosa — o encontro da pequena Imagem nas águas do Rio Paraíba do Sul —, sinais, ou como comumente os chamamos, milagres, dentre os quais se destacam desde o início, sobretudo três: o milagre da pesca milagrosa, o milagre das velas reacendidas e o milagre da libertação do escravo Zacarias. Mais tarde, juntou-se a estes um quarto milagre muito difundido, o milagre que deu visão a uma menina cega de nascença. Este, no entanto, podemos dizer que, simbolicamente, está ligado ao sinal da luz das velas reacendidas.
E o que Maria gostaria de nos dizer por meio destes sinais? Em primeiro lugar, vejamos que a própria Igreja é quem reconhece esses sinais de Nossa Senhora e nos revela o seu sentido por meio da Liturgia. Ouvimos nas leituras da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida referências a três episódios bíblicos: a intercessão pelo povo feita pela Rainha Ester, a Mulher revestida de Sol — do livro do Apocalipse — e, por fim, a comovente cena das Bodas de Caná, onde Maria alcança a ação de seu Filho em favor de uma família que estava em seu pleno vir-a-ser, como o Brasil de outrora.
Assim sendo, podemos e até devemos ver uma correlação entre esses três sinais e esses três episódios. E esta, por sua vez, nos parece bastante evidente. O primeiro milagre público de Deus realizado por meio de Maria aqui (nesta terra — o Brasil) está ligado àquele primeiro milagre público de Jesus realizado em Caná, e ambos por meio da intercessão de Maria.
O milagre das velas está ligado ao sinal da Mulher revestida de sol. E o milagre da libertação do escravo Zacarias está ligado à salvação do povo de Israel, graças à intervenção da Rainha Ester.

Entre o primeiro milagre de Aparecida (a pesca milagrosa) e o seu correspondente bíblico (as Bodas de Caná), a semelhança é muito grande. Em Caná, estavam Maria, Jesus e seus discípulos numa festa e não tinham mais vinho — o que acabava por tornar a festa uma grande decepção e até mesmo uma desonra para os noivos e os convidados. Na Guaratinguetá de 1717, devia-se organizar também uma festa a fim de receber o Conde de Assumar (governador da capitania de São Vicente), e para tal eram precisos peixes. Mas o que fazer? Não havia peixes. É aí que entra a solicitude maternal de Maria Santíssima: “Eles não têm peixe”. E após sua intervenção, o peixe, assim como o vinho de outrora, se torna abundante. E o que Nossa Senhora nos quer ensinar com isso é a sua solicitude materna, em suas próprias palavras (em outra aparição): “Não estou eu aqui, que sou tua Mãe?”.
O singelo sinal das velas. Depois que Atanásio Pedroso (filho de Filipe Pedroso, um dos três pescadores) construiu um modesto e pequenino oratório, o povo da vizinhança vinha até ali para rezar o terço em família. Numa dessas noites, uma rajada de vento entrou pela janela e apagou as velas. A mulher de Atanásio, pressurosa, procurou reacendê-las quando, para espanto de todos, elas se reascenderam sozinhas. Um sinal simples, mas que todos entendem: milagre de Nossa Senhora!
Ela porta a luz em si, é portadora de luz. É o mesmo sinal que João narra no Apocalipse, de forma mais grandiosa: uma mulher revestida de sol. Sabemos que a luz que Maria traz em si não provém dela mesma, mas de seu Filho Jesus, que é o Sol de Justiça. Mas, mais do que a Lua, Maria não só reflete a luz do Sol — que é Jesus —, mas ela mesma é cheia, repleta de graça, de luz, por mérito de seu Filho, que lha concedeu.
A luz que Maria porta conduz seguramente a Jesus. Daí que o milagre relacionado a este, das velas, é o da cega de nascença que recebe a luz em seus olhos no exato momento em que pôde avistar — ainda que de longe — a casa de Deus. “Não é aquele, mãe, o Santuário de Nossa Senhora?”, diz a criança miraculada. Milagre estupendo! Uma página do Evangelho no caminho de Aparecida. Deus concedeu àquela menina não só o dom de ver o que antes nunca tinha visto, mas até mesmo conhecer aquilo que antes não conhecia. A luz da fé faz o mesmo em nós.
Com isso, Nossa Senhora quer nos ensinar que ela traz em si a luz de seu Filho e quer acender essa luz em nós, abrir nossos olhos da fé para a luz que é Cristo.

Passemos para o terceiro milagre, a libertação do escravo Zacarias e sua relação com o pedido da Rainha Ester. O contexto histórico do livro de Ester nos mostra como o povo de Israel, consequentemente também a Rainha, vivia em terra estrangeira, subjugado por outro povo. Em nossa história, sabemos que muitos povos vieram para cá, também deportados, a fim de serem subjugados e viverem como escravos.
É bom, no entanto, recordar que nesta terra já existiam muitos e distintos povos de línguas e culturas diversas. No século XVI, havia aproximadamente 3,5 milhões de índios no Brasil, divididos em 4 grandes etnias. Isso mostra que o Brasil, desde o início, estava destinado a ser um país de muitas raças que, aqui, deveriam aprender a viver como um só povo, como irmãos. Como de fato, diante de Deus, o somos. Pois “em Jesus Cristo não existe mais judeu nem grego, homem nem mulher…”.
Por isso, diante do triste fato histórico da escravidão de seres humanos no Brasil, uma vez mais é a Mãe que se levanta e se adianta para interceder junto ao Rei, pedindo a libertação, a salvação de seu povo; uma vez que mais escravo era quem escravizava. E Deus não nos queria uma nação de escravos: nem livres nem subjugados.
Maria nos recorda assim que Deus quer-nos livres, vivendo a liberdade de filhos de Deus. E com isso, Nossa Senhora nos ensina que ela é elo de aliança entre os povos, não um elo que aprisiona, mas que liberta. Ela nos ensina a viver em verdadeira concórdia e unidade.
Hoje vemos que se cumpriu em nosso país a sua vocação de ser uma nação de nações. À primeira união entre os povos indígenas, portugueses e africanos, juntou-se mais tarde a vinda de outros povos: italianos, japoneses, libaneses, alemães, austríacos, poloneses, ucranianos, russos etc., fazendo assim do Brasil um país único no mundo.
Aqui, Nossa Senhora nos revelou a vontade de seu Filho, o segredo para a verdadeira união dos corações e das vontades: “Fazei tudo o que ele vos disser.” Isso implica ouvir Nosso Senhor, sua voz que fala no silêncio. É um convite à adoração silenciosa d’Aquele que quer estabelecer conosco uma união, uma comunhão. É da união com o Senhor que nasce todo tipo de união verdadeira entre nós. Essa é, em poucas palavras, a mensagem de Aparecida, que já ressoa há 300 anos pelo nosso país.
Peçamos à Virgem Maria a graça de, em tudo, fazer a vontade de seu Filho Jesus, para que ele, assim como ela, reine sempre entre nós. Ela, que é a Mãe de Deus e nossa. Amém.