Fiat Lux – A prova dos Anjos

A criação Angélica se deu, segundo os Padres da Igreja, quando «no princípio, Deus criou o céu e a terra.» (Gn 1, 1). Esse «princípio» segundo Santo Agostinho – e outros Padres da Igreja – também significa o princípio indicado pelo evangelista São João, ou seja, o Filho, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade[1]. Nisso podemos compreender que todos os Anjos foram criados com sua orientação existencial, isto é, com o sentido da sua existência, para o Filho[2], tendo-O como princípio e fim do seu existir, a saber, em vista do Filho e de toda a obra que Ele realizaria[3].

Quando no livro do Gênesis lemos que «criou o céu e a terra», “deve-se entender o céu como criatura espiritual, perfeita e sempre bem-aventurada desde que foi criada, e a terra, pelo contrário, como matéria corporal ainda imperfeita…[4]”. Essa criatura espiritual são os Anjos.

Também os Anjos foram criados à imagem de Deus, pois são dotados de vontade e capazes de decidir livremente o que querem fazer. Essa grandiosa graça do «ser imagem de Deus» é dom sublime de Deus que, sendo A bondade, chama Suas criaturas a entrarem em relação com Ele. Somente uma criatura com livre-arbítrio é capaz de se relacionar. Toda criatura capaz de conhecer e amar o Criador, é imagem d’Ele.

Após a criação, uma provação foi posta aos Anjos, a fim de que pudessem decidir livremente por Deus e pelos planos que Ele realizaria. Deus disse: “Faça-se a luz”! E a luz se fez. (Gn 1,3) Essa luz não é ainda a luz do firmamento, que será criada no quarto dia da criação (Gn 1, 16), mas é a luz do conhecimento do Seu plano sobre as criaturas.

Naturalmente não podemos penetrar na totalidade daquilo que Deus revelou aos Anjos nesse «Fiat Lux», mas à luz do Novo Testamento, a Igreja interpreta essa prova como a Encarnação do Filho. Além disso, o próprio Cristo diz: «Eu sou a luz do mundo.» (Jo 8, 12); e o discípulo amado, São João, ainda escreve:

A Luz se manifestou aos Anjos, veio para eles, mas houve aqueles que não a acolheram. A esses não chamamos mais Anjos, mas sim diabos ou demônios, pois «são aqueles que se atiram no meio do plano de Deus e de Sua obra de salvação realizada em Cristo[5].» Não são, de forma alguma, filhos de Deus, mas, aos Anjos que aderiram totalmente a esse «Fiat Lux», como disse São João, foi dado o poder de se tornarem filhos de Deus, isto é, entraram na visão beatífica, de modo que agora podemos, jubilosamente, chamá-los de Santos Anjos.

Havia um Anjo que a tradição da Igreja chama de Lúcifer e que pertencia ao coro mais elevado dos Anjos, o coro dos serafins[6]. Esse nome significa: aquele que porta a luz. Tal significado nos indica que, certamente, ele fora chamado para uma grande missão em consonância com «Fiat Lux» dito por Deus, mas se rebelou e não quis servir (Non serviam!). A mais elevada das criaturas renunciou à “encarnação” da Luz.

Entretanto, a mais pequena delas, numa cidadezinha de Nazaré, escondida aos olhos do mundo, quando interpelada por São Gabriel a respeito da Luz que há de vir ao mundo por meio dela, diz, em total dissonância com Lúcifer, em meio a obscuridade da fé:

Esse «Verbum tuum» diz respeito à vontade de Deus, já revelada no livro do Gênesis: Fiat Lux. (Gn 1, 3). Maria, ao acolher a plenitude dessa palavra, permite que a Luz se faça no mundo, em carne e osso. Maria se torna agora, não somente a verdadeira portadora da Luz, mas também, a Mãe da Luz, de Cristo, do Filho de Deus, que é Luz da Luz.

Por isso, Maria foi elevada acima de todos os Coros Angélicos e aclamada por todos os Santos Anjos, com êxtase jubiloso, como a Regina Angelorum (Rainha dos Anjos). Juntamente com todos os Santos Anjos queremos que o «Fiat Lux», desejado por Deus desde o princípio, encontre em nós um sincero «Fiat mihi» a essa Luz, assim como encontrou em todos os Anjos que passaram pela provação e estão continuamente contemplando a Face de Deus na eterna bem-aventurança, no céu.


[1] Jo 1, 1-4: No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. Ela existia, no princípio, junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens.

[2] S. Th. I, q. 46, art.3: Deus fez tudo no princípio, isto é, no Filho, conforme o Apóstolo: “É n’Ele, isto é, no Filho que foram feitas todas as coisas.”

[3] O Catecismo da Igreja Católica ensina no nº 351 que os Santos Anjos cercam Cristo, seu Senhor. Servem-no particularmente, no cumprimento de sua missão salvífica para com os homens.

[4] Santo Agostinho, Comentário ao Gênesis.

[5] Catecismo da Igreja Católica 2851.

[6] Santo Agostinho em sua obra “Sobre a doutrina Cristã” no cap. 37 do III livro diz: “Como ele caiu do céu, Lúcifer, filho da alva! e as outras declarações do contexto que, sob a figura do rei da Babilônia, são feitas sobre a mesma pessoa, devem certamente ser entendidas como o diabo;”