Opus Angelorum: uma resposta de Deus para os nossos tempos!
Com esta meditação inicia-se uma série de conferências sobre a espiritualidade da Obra dos Santos Anjos e, em particular, o tríplice caminho das consagrações, o que, em última instância, reflete alguns aspectos do admirável itinerário formativo da OA (Opus Angelorum).
Nesta primeira meditação, convidamos-vos à leitura de um pequeno trecho da Carta aos Hebreus. Ele será como que o pano de fundo deste itinerário. O autor sagrado, após tecer um elogio à fé dos antepassados, salienta o caráter combativo da vida cristã neste mundo e faz-nos um forte apelo à fé: “Corramos com perseverança ao combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que vai à frente da nossa fé e a leva à perfeição”(Hb 12, 1-2a).
Três conselhos espirituais são aqui elencados:
- Assumir corajosamente o combate da vida cristã;
- Armar-se de perseverança nesta empreitada;
- fixar os olhos em Jesus como disciplina fundamental desta luta. Aliás, é pela busca determinada desta troca de olhares – símbolo maravilhoso da oração cristã – que a fé se fortalece e, segundo o ensinamento do Apóstolo, vence o mundo (1Jo 5, 4).
A Palavra de Deus não dissimula o verdadeiro caráter da vida cristã. Apresenta-a vivamente diante dos nossos olhos: uma luta contra o pecado e contra todos os assaltos do inimigo infernal. É o que recordamos diariamente com a oração do Pai-Nosso: “Não nos deixes cair em tentação, mas livrai-nos do mal (maligno)”. Esta luta, experimenta-la dentro e fora de nós.
No entanto, há quem pretenda desviar-se destas verdades, a pretexto de querer viver um cristianismo menos pessimista, até mesmo sensacionalista. No entanto, a vida de fé não pode ser o resultado de nossas seleções pessoais. A Sagrada Doutrina não pode se transformar num mercado, onde se escolhe apenas o que mais lhe apetece. Ao contrário, a fé é uma graça que se recebe, e a recebemos por inteiro, sem a mínima recusa de um ou outro ponto. E esta fé nos ensina, da maneira mais clara possível, a verdade de uma eterna inimizade entre Deus e os Anjos rebeldes que, por sua vez, com a queda dos nossos primeiros pais, estabelece o decisivo confronto entre a descendência da Mulher e a descendência da Serpente.
Cada ser humano é capaz de testemunhar em si mesmo a verdade desta luta. Às vezes, ela é bastante palpável! No terreno da alma ecoa-se o “Non serviam” de Lúcifer, como um grito ensurdecedor, incitando-o à mesma rebelião que o afastou de Deus. Ao mesmo tempo, desde que a vitória do Senhor Crucificado destruiu para sempre o poder do pecado e da morte, outra voz ressoa ainda mais viva na consciência do homem: o Fiat de Jesus à Vontade do Pai; junto ao dele está também o Fiat de Maria, o Fiat de todos os Anjos e Santos. Nesta altura, a alma deve escolher o Senhor a quem quer servir. Segundo o ensinamento do Catecismo, é exatamente nesta decisão que se situa o combate (cf. CIC 2729).
A obra da redenção operada por Nosso Senhor Jesus, a vitória de Sua Cruz gloriosa, longe de pôr fim ao combate espiritual, na verdade, intensificou-o, pois, conforme nos diz a Escritura, “o Diabo está cheio de grande furor, pois sabe que lhe resta pouco tempo” (Ap 12, 12). De fato, o mistério da Igreja, da comunhão dos Santos e dos méritos infinitos da Paixão do Senhor é um duro golpe às artimanhas dos espíritos infernais. Como assim? Ora, em razão das graças sacramentais – batismo, confirmação, eucaristia sobretudo – não apenas somos resgatados e redimidos, mas também, por Cristo e em Cristo, tornamo-nos corredentores. Agora, no regime da Nova Aliança, é Cristo com sua Igreja que luta contra as potências infernais. Cada oração e sacrifício oferecido por amor, se unidos aos méritos infinitos de Jesus, podem alcançar de Deus inúmeras graças de conversão para os pobres pecadores. Com tão maravilhoso desígnio da Sabedoria Divina, Satanás e seus anjos não menos procuram ampliar os raios de sua influência e opressão sobre o mundo, pois “sabem que lhes resta pouco tempo”.
Neste momento, nossa atenção dirige-se particularmente para estes nossos tempos. Não será preciso longas considerações para concluirmos que, como nunca antes, os ataques do maligno se revelam cada vez mais fortes e ostensivos. No mundo e na Igreja, particularmente em nossas famílias, podemos senti-las. Basta pensarmos na “diminuição da fé” que, aos poucos, tem assumido a triste fisionomia de uma “apostasia silenciosa” cujos resultados verificamos em nossas igrejas vazias. Sentimo-nos, pois, envolvidos numa densa atmosfera de decadência generalizada. O então Cardeal Karol Wojtyla, durante o Congresso Eucarístico na Filadélfia, 1976, já dizia: “Estamos agora diante do maior confronto histórico pelo qual a humanidade já passou. Não creio que amplos círculos da comunidade cristã percebam isso plenamente. Estamos agora perante o confronto final entre a Igreja e a anti-Igreja, entre o Evangelho e o anti-Evangelho. Este confronto está dentro dos planos da providência divina. É uma prova que toda a Igreja deve enfrentar.”
Sem dúvida, um amplo movimento de descristianização procura estabelecer os princípios da nova sociedade neopagã. Nela, as tradições são subvertidas ou, no melhor dos casos, ressignificados ao seu bel prazer. Trata-se de uma cultura de morte que vomita sobre o homem os falsos valores do ateísmo, do secularismo, do materialismo e do hedonismo. O resultado não poderia ser mais desastroso: a degradação das almas e sua eterna condenação. O que pensar do crescimento vertiginoso dos suicídios, especialmente entre os jovens e, nos últimos anos, entre as crianças? Não estamos, talvez, diante de um aparente triunfo do mal? Com toda a razão, reconhecemos, com São Paulo, que “o mistério da iniquidade está em ação” (2Ts 2, 7).
Grande é a necessidade de discernimento para saber ler os sinais dos tempos, discernir os perigos e defender-se deles eficazmente; despertar-se, de uma vez por todas, para a luta que se trava ao nosso redor, pois, como ensina o Catecismo, “O tempo presente é, segundo o Senhor, o tempo do Espírito e do testemunho, mas é também um tempo ainda marcado pela ‘desolação’ e pela provação do mal, que não poupa a Igreja e inaugura os combates dos últimos dias. É um tempo de espera e de vigília.” (CIC 672). No entanto, o que se percebe hoje, aqui e ali? Infelizmente, um severo entorpecimento das consciências, uma letargia espiritual que torna o homem incapaz de distinguir com clareza a voz de Deus da voz do maligno.
Muitos dormem um profundo sono de morte. Às vezes, nós mesmos somos tentados a permanecermos alheios às necessidades do nosso tempo, recolhidos e sossegados em nosso ninho. E, contudo, a Palavra de Deus permanece, incisiva e penetrante: “Corramos para o combate que nos é proposto!”. Mas o que fazer? Por onde começar? Como respondermos à crise que assola o nosso período? Pois bem… Ao contrário da nossa precipitação natural de querer dar respostas por nós mesmos, deveríamos, antes de tudo, orientarmo-nos para Deus, “fixarmos o nosso olhar em Jesus” e ouvir a Sua Vontade, a Sua resposta decisiva para estes nossos tempos.
E, de fato, o próprio Deus quis adiantar-se. Por um desígnio estupendo de Sua Misericórdia, Ele mesmo quis indicar-nos um caminho, oferecer-nos uma resposta eficaz. Esta resposta significou, ao mesmo tempo, um despertar para a fé, para um manancial de graças e de forças até então desprezado por muitos… A resposta do Senhor foi os Santos Anjos e sua Obra – a Obra dos Santos Anjos.
De que modo se manifestou este dom da graça para Igreja e o mundo inteiro? Como sabemos, Deus costuma servir-se de pequenos e humildes instrumentos para edificar a sua obra, não obstante o seu poder sem limites. No que diz respeito à Obra dos Santos Anjos, o Senhor escolheu uma simples mãe de família – Gabriele Bitterlich – cuja vida, provada e comprovada no Amor e no sacrifício sem medidas, estava apta para dedicar-se a esta grande missão.
O momento decisivo do nascimento da Obra dos Santos Anjos deu-se poucos anos após o fim da segunda guerra mundial. No ano de 1949 – em um Domingo Branco, atualmente Domingo da Misericórdia – Mãe Gabriele, enquanto rezava em seu pequeno quarto durante as últimas horas da noite de 24 a 25 de abril, recebeu de Deus uma graça singular: ela pôde contemplar a amplidão, a beleza e a glória dos coros celestes. Ao mesmo tempo, obedecendo à voz de um anjo, deveria anotar tudo o que via. Um fato interessante deu-se na manhã seguinte, na Santa Missa. Durante a Sagrada Comunhão, Mãe Gabriele confessava a sua incapacidade e indignidade diante de tudo que vira e ouvira na noite anterior quando, de repente, o Senhor insistiu na ordem que lhe fora dada e disse-lhe: “EU quero ver os Meus Anjos glorificados junto dos homens. Está chegando o tempo dos Anjos, o grande poder tanto dos bons como dos maus”.
Estas palavras foram suficientes para conduzi-la à plena obediência à Vontade do Senhor. Dessa forma, no silêncio e no escondimento, nascia um amplo movimento de renovação espiritual na Igreja, uma Obra que, fazendo jus ao seu título, não era dos homens, mas dos Anjos – a Obra dos Santos Anjos, dom da graça e da misericórdia de Deus, uma verdadeira resposta para o nosso tempo.
Mas em que sentido a Obra dos Santos Anjos é essa resposta? Afinal, por que o Senhor desejou um maior e mais intenso envolvimento dos Seus Anjos em nossa vida? Em primeiro lugar, prestemos atenção ao que nos diz o Estatuto da OA (n. 3) sobre isso:
“A Obra dos Santos Anjos nasceu em resposta aos sinais dos tempos para incorporar a ajuda dos santos anjos nos conflitos espirituais que se estão esboçando”. Ou seja, a Obra dos Santos apresenta-se como resposta enquanto incorpora (integra, assume) a ajuda sobrenatural dos Santos Anjos nos conflitos atuais. Eis aqui o primeiro motivo. Este socorro angélico faz-se tanto mais necessário, uma vez que, conforme o ensinamento de nossa Mãe Gabriele, “Os ataques espirituais traiçoeiros sobre toda a humanidade se tornam demasiado numerosos e toda a atmosfera espiritual se torna estéril, sem Deus, e todos os homens a respiram” (L 16). Ela ainda explica que “Vivemos numa época de luta, também do Anjo; isto torna-se claro pelo enorme crescimento de todas as forças demoníacas em sua ação espiritual maldosa na humanidade. No entanto, onde o demônio age tão abertamente, Deus dá em auxílio ao homem o Seu Anjo fiel.” (IL 17).
Não nos esqueçamos de que, nesta luta espiritual contra os demônios e suas artimanhas, os Santos Anjos são muito mais fortes e muito mais sábios do que eles. Um só Anjo é mais forte do que o inferno inteiro. E isto porque estão profundamente unidos a Deus no céu. Contemplam, sem cessar, a face de Deus e, por esta contemplação, são revestidos de luz, sabedoria e poder.
Mas também há um outro motivo para que os Santos Anjos se nos ofereça como como uma resposta: seu auxílio é também um remédio apropriado (remédio certeiro) contra os males do nosso tempo. Em que sentido? O Anjo vê muito mais além, conhece as armadilhas do inimigo e suas sutilezas. Por isso, além de atacar o mal, ele se empenha a todo instante em formar o homem, em reorientá-lo para Deus somente (Soli Deo). A propósito, o estatuto da OA explica que: “Os Santos Anjos ajudam os homens a conservar a fé em nosso Senhor Jesus Cristo e o amor a Deus, a clarividência e o discernimento em meio à confusão espiritual, a identificar o autor de todo o mal e a resistir às suas tribulações” (n. 3). Em suma, os Santos Anjos são remédios eficacíssimos pois nos conduz infalivelmente à união mais perfeita à Deus – desde que não lhe oponhamos nenhuma resistência, é claro. É esta UNIÃO COM DEUS a arma mais poderosa contra o mal. Eis aí a força do AMOR!
Nesta altura, surge uma outra questão: porventura os Anjos já não estavam sempre à serviço de Deus e cooperando na salvação das almas? Sem dúvida, os Anjos sempre estiveram presentes. O Catecismo nos ensina que “toda a vida da Igreja se beneficia da sua ajuda misteriosa e poderosa até à segunda vinda de Cristo” (CIC 334). Recorda-nos também que toda a vida de Jesus “foi cercada da adoração e do serviço dos Anjos” (CIC 333). Ademais, são eles “mensageiros e servos do projeto divino de salvação” (CIC 331-332). A Sagrada Escritura, por sua vez, revela-nos que Deus enviou os Seus Anjos em auxílio dos homens (Hb 1, 14) e, de modo especial, os Santos Anjos da Guarda (cf. Mt 18, 10).
Mas, diante disso, por que Deus quis que surgisse na Igreja uma Obra dos Santos Anjos? O que ela tem de especial?Não seria ela mais um movimento de devoção aos Anjos na Igreja? Ora, meus irmãos, é exatamente aqui que a especificidade da OA se impõe com toda a radicalidade: não somos (simplesmente) um movimento devocional. Não foi só para isso que o Senhor nos chamou aqui. Ao contrário, a Obra dos Santos Anjos nasceu como um grito de alerta dos Anjos, um despertar para o combate, para o empenho decisivo pela glória de Deus e salvação das almas.Na OA, quem se aproxima dos Anjos, com certeza ouvirá de seus lábios este apelo cheio de ardor: “Vinde, meu irmão, corramos para o combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus…”. Como se vê, na Obra dos Santos Anjos, quem está no centro é Jesus, só Jesus – o Senhor e Rei, o centro do mundo angélico, a quem, sem cessar, adoram os Anjos com cânticos de júbilo: Sanctus! Sanctus! Sanctus!
A seguir, veremos qual a natureza da Obra dos Santos Anjos, como aproveitarmos o auxílio e o remédio oferecido por estes Irmãos celestes. Ademais, veremos o que eles esperam de cada um de nós e, sobretudo, para onde e por quais caminhos eles querem nos conduzir. Esta meditação, sem dúvida, será para nós fonte de não pouca alegria. Deus vos abençoe!
