A Humildade e a Caridade  

Caridade é uma humildade ascendente e humildade é uma caridade descendente”.
Li esta máxima de S. Francisco de Sales que depois me inspirou a escrever as seguintes palavras:

Com profundíssimas raízes
Sobe o cedro às alturas
E passarinhos felizes
Da sombra gozam a frescura

Quando curvada a caridade
Humildade é chamada
Húmus vira ardente chama
Tudo acolhe aquele que ama

Quando erguida a humildade
Caridade é chamada
Flores brotam da lama
O bem sempre se emana

– Receberá a glória,
Quem aceita ser escória…

A partir de então, há alguns dias acompanha-me o pensamento da relação entre a humildade e a caridade.

Raniero Cantalamessa diz que a humildade em sua forma mais perfeita não está no sentir-se pequeno ou no ser pequeno, mas em fazer-se pequeno. E isso não por utilidade ou necessidade pessoal, mas para elevar os outros.

Acho que é uma boa pista para descobrir em nossas experiências cotidianas a relação entre essas virtudes. É comum alguém falar de seus “grandes feitos” que, direta ou indiretamente, com intenção ou não, diminuem os “pequenos feitos” dos outros. Ou o contrário, por exemplo: alguém conta algum sofrimento que suportou e o outro logo diz: “isso não é nada, eu passei por coisa pior!”.

Nossa tendência, feridos pelo pecado original, é rebaixar o outro para exaltar-nos. Sempre sofremos mais que os outros, realizamos obras melhores, sempre temos alguma experiência mais sublime do que o interlocutor. Também com que facilidade o defeito do outro pode ser descoberto, analisado sem discrição, tornar-se motivo de piadas maliciosas, enquanto o nosso é escondido como um segredo de Estado.

Há o risco ainda de se recriminar, de se rebaixar, porém por pura vaidade. É como alguém que está sempre dizendo quanto é pecador, miserável, ignorante, etc. No fundo, querendo ser visto como humilde. Quando, na maioria das vezes, o humilde não fala de si. Por isso S. Bernardo de Claraval vai dizer que o verdadeiro humilde não quer ser visto como humilde, mas como desprezível.

Você pode reconhecer uma pessoa humilde pelo seu silêncio discreto, seu olhar modesto, seu sorriso quase constante de uma alegria pura e interior, sua prontidão para ser útil ao próximo. Mansidão e humildade são realmente virtudes irmãs (Mt. 11,28-30).

O humilde aceita ter seus direitos violados com mansidão, sem perder a paz – porque ele é a seus próprios olhos desprezível, o humilde aceita ser esquecido e até conta com isso e perdoa facilmente…

Ele está tão vazio de si e tão cheio de Deus – uma vez que a humildade, verdadeiramente, atrai Deus irresistivelmente (Tg. 4,6) – que, como Nosso Deus encarnado, doa-se em serviço generoso até aos ingratos que não lhe correspondem nem com um “muito obrigado”. Eis aí o abraço da humildade com a caridade! Fazer sem esperar nada em troca!

Quem é pequeno sabe que depende de Deus e a Ele tende com amor em total dependência. Ama-o, pois é amado por Ele primeiro. Por amá-lo, ama todos os seus filhos e também aqueles que são chamados a tornarem-se filhos. Assim não há duas caridades, mas apenas uma que se dirige a Deus e, por amor Ele, a todos e a tudo que Ele ama.

Assim é que o manso e humilde é capaz de suportar ingratidões, a não receber recompensa por seus serviços generosos. Ele é realmente como um tapete (no grego, humildade se diz tapeinos de onde vem a palavra ‘tapete’), isto é, alguém que se põe por baixo. Coloca-se por baixo sem complexo de inferioridade (sabe de quem é filho!), faz tudo isso sem murmurar (Fp. 2, 3, 4, 14-15).

 

“O ato próprio da humildade consiste em se inclinar em direção à terra, que se diz húmus em latim (…) abaixar-se diante de Deus e diante daquilo que é de Deus em todas as criaturas” (LEGRANGE, R. Garrigou. As Três Idades da Vida Interior – Tomo II, p. 709)

 

Por inclinar-se é elevado por Deus. Com Cristo, tudo é possível; sem ele, nada é possível. Por permanecer pequeno, o Pai pega o pequeno filho pela mão e nunca o larga. Se por um lado, conforme a natureza, é preciso crescer e tornar-se independente dos pais; na vida espiritual, crescer é tornar-se mais e mais dependente do Pai.

Unido a Deus, sabendo-se dependente dele, o humilde-caridoso une-se a outros para o bem de sua comunidade (seja comunidade religiosa, família, ambiente de trabalho, bairro, cidade…) e trabalha sem competição para o bem de todos, esperando sua recompensa de Deus somente.

Tudo isso parece realmente difícil e é realmente. Cada um de nós, porém, pode contar com um Anjo muito humilde que aceitou vir servir-nos a nós, que somos pó e pecado. Ele veio para imitar seu Criador que assumiu a forma de servo na encarnação (Fp. 2.6-11) e, humildemente, cheio de amor, veio dar sua vida. 

Esse Anjo humilde é o Anjo da Guarda. Ele que recebe ingratidão sobre ingratidão e continua fiel ao lado de seu protegido.
Ele sabe o que é humildade e caridade e está pronto para nos ajudar. Recorramos a ele sempre!

 

 

Referências: 

(LEGRANGE, R. Garrigou. As Três Idades da Vida Interior – Tomo II. 2018. pp. 708 – 710)

“o humilde não quer ser visto como humilde mas como desprezível” S. Bernardo de Claraval, Sermões sobre o Cântico, XVI, 10 (PL 183,853).

(Raniero Cantalamessa A humildade como verdade e como serviço em São Francisco de Assishttps://blog.cancaonova.com/fragmentos/a-humildade-como-verdade-e-como-servico-e m-sao-francisco-de-assis/).

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