Dá ao mundo seu canto mais alegre!

A man gets tied up to the ground
He gives the world
Its saddest sound
Its saddest sound

Esse é o trecho de uma canção de uma dupla norte-americana de música folk. Trata-se da música El Condor Pasa (If I Could). A tradução seria mais ou menos assim: Um homem fica preso ao chão, ele dá ao mundo o seu som mais triste.

Existe uma tendência em todo ser humano de buscar as coisas criadas por elas mesmas, buscando o prazer dos sentidos, o reconhecimento do próprio “eu” quando se presta serviços a outros, buscando ser amado, consolado, procurando se sentir seguro; nas coisas, não procurando seu sentido profundo e elevado, mas apenas desejando-as por prazer ou repelindo-as por aversão sem sentido. Buscando bens materiais também: carro novo, objetos eletrônicos recém-saídos no mercado, um novo imóvel; numa comunidade religiosa, poderia ser os melhores produtos de higiene, etc.

Essa tendência é o que poderia ser chamado de o “homem exterior” – que não deve ser confundido com a corporeidade -, mas sim como aquela inclinação de usar as faculdades da alma e do corpo para atingir as criaturas como se fossem fins em si, enquanto o homem interior busca em todas as coisas o seu Criador, DEUS.
Esse homem exterior é movido por imagens que outros fazem dele e que ele faz de si mesmo, movido por reações automáticas; ao contrário, o homem interior, aquele eu que possui o nome só conhecido por DEUS (Ap 2,17) é movido pelo próprio DEUS e para o próprio DEUS.

O homem interior tem prazer na lei de DEUS (Rm 7,22)
Ele recebe a comunicação da luz, do poder e do amor de DEUS (Ef 3,16)
Ele se renova dia a dia (2Co 4,16)
Ele é revestido de “de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade”, e perdoa, ama e é agradecido (Cl 3,12).
O homem exterior, porém, está cheio de “prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria” (Cl 3,5).

Vive a partir do seu interior quem aprendeu a ficar longamente sozinho com DEUS, seguindo o que JESUS disse ao Abba Arsênio em resposta ao seu pedido de obter a salvação: “foge, silencia e ora”.
Sim. Deve ser assim. Quem ainda não percebeu o quanto as relações com outras pessoas influenciam a maneira de pensar, falar, agir e comportar?

Meister Eckhart diz que o homem exterior é o homem em sua rede de relações, em suas atribuições enquanto o homem interior é a profunda identidade de filho de DEUS. A tendência comum é agir de acordo com os papeis sociais; agora agindo assim porque o patrão está presente, depois de outro modo, por causa de outra pessoa… Desprender-se disso exige esforço e graça.

Eckhart dá, em seis passos, um itinerário da alma que se desprende da exterioridade:

1 – Primeiro, ela segue a vida dos santos como modelos.
2 – É quando o homem não se detém mais no exterior, mas o olhar volta-se para DEUS e seus ensinamentos.
3 – É quando alma está determinada a seguir a DEUS e experimenta a liberdade.
4 – Crescimento nessa harmonia. Há gosto e prazer ao buscar DEUS. Ela enfrenta tentações com grande alegria.
5 – Vivência da paz interior, tranquilidade e sabedoria divina.
6 – Despoja-se da imagem humana e reveste-se da imagem da eternidade divina.

Em cada passo desse itinerário, com o crescimento do conhecimento e da consciência de DEUS está o crescimento do autoconhecimento e da autoconsciência – processo tanto sumamente doloroso quanto sumamente necessário.

O passo número quatro do itinerário fala de harmonia, que é, segundo o Oxford Languages: “combinação de elementos ligados por uma relação de pertinência, que produz uma sensação agradável e de prazer”. Como é agradável a vida de um homem cujo homem interior, sua identidade batismal de filho de DEUS, tem domínio sobre todas as suas ações e relações.
Ele, pela harmonia de sua vida, dá ao mundo o som mais belo, mais alegre, o som do amor a DEUS e, por causa de DEUS, amor a todas as criaturas.
Ele está desapegado das coisas passageiras e transitórias, desapegado de sua imagem diante dos homens, desapegado diante de sua autoimagem, ele é pura doação e louvor a DEUS. Só lhe interessa DEUS e seus planos. É verdadeiramente livre. Como diria São Francisco de Assis, ele é o que é diante de DEUS. Eu completaria: e aprendeu a ser o que é de fato diante dos homens também – despojou-se das mascaras.
Ele é como uma criança alegre, mas ao mesmo tempo, profundo e modesto. É verdadeiramente pobre, desatado do chão. A man not tied to the ground…
Ele pode cantar alegremente com uma vida que se harmoniza com a vida divina, com a existência de seus semelhantes e com toda a criação e, no final de sua vida, ainda pode cantar como Francisco:

Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã a morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar.
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles que cumpriram tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor,
e dai-lhe graças e servi-o com grande humildade.

O convite é ao desapego de todo criado e ao despojamento de si, das falsas imagens, para buscar a DEUS na solidão e no silêncio e, assim, encontrar-se também com o verdadeiro eu, a verdadeira identidade de filho de DEUS. Dando-se por inteiro a DEUS, ele vai preencher a alma despojada e uni-la a si. Que belo cântico ressoará então!

“Nossa alma deve transformar-se num instrumento muito delicado, com o qual nossos Anjos apresentam a DEUS sua adoração!” (Lema da Mãe Gabriele).

Referências:

• LIMA JUNIOR, Carlos et al. Interioridade e Exterioridade em Mestre Eckhart e Jacob Boehme. PROBLEMATA (International Journey of Phylosophy). https://periodicos.ufpb.br/index.php/problemata/article/view/27695
• Simon & Garfunkel – El Condor Pasa (If I Could) Álbum: Bridge Over Troubled Water
• Cântico das Criaturas, São Francisco de Assis. https://www.capuchinhos.org/franciscanismo/sao-francisco-de-assis/fontes-franciscanas/cantico-das-criaturas

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