Veni, Domine Jesu!

Com a entrada no advento, a Santa Igreja nos oferece um tempo litúrgico repleto de graças, a fim de nos preparar para a grande festa do Natal de Nosso Senhor. Neste tempo penitencial, a Liturgia nos leva a considerar as duas vindas de Cristo: a primeira, na humildade do presépio; a segunda, no esplendor da glória.

A primeira vinda de Cristo abriu-nos o caminho da salvação. Afinal, o Verbo Se fez carne para nos salvar, conforme rezamos: “e por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos céus e Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem”[1]. A segunda vinda de Cristo ainda está para acontecer, “quando o Filho do Homem vier em sua glória, acompanhado de todos os anjos” (Mt 25, 31), para julgar todos os homens e, “castigando o culpado, o Reino ao justo entregar[2]. Assim, a Igreja nos recorda que todos os homens, atingidos pela ferida mortal do pecado (Gn 3; Rm 5, 12), têm a necessidade de um Salvador, que é Jesus Cristo: “em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado à humanidade, pelo qual devamos ser salvos” (At 4, 12).

Entretanto, na tradição espiritual da Igreja, fala-se ainda de uma terceira vinda de Cristo, que se situa entre a primeira – que já aconteceu – e a segunda – que está para acontecer. Trata-se de uma “vinda intermediária”, que é o advento de Cristo em nossas almas pela graça (santificante). Este dom maravilhoso é fruto do sacramento do Batismo, pelo qual “nós já recebemos o germe da vida eterna, pois por ele, recebemos a graça santificante que é o princípio radical dessa vida; e, com a graça santificante, recebemos a caridade infusa que deve durar eternamente[3].

Essas três vindas não estão desconexas, mas interligadas, conforme nos ensina o Pe. Tanquerey:  

“O Advento, que significa vinda, é uma preparação para a vinda do Salvador, e, como tal um período de purificação e penitência. A Igreja convida-nos a meditar sobre as três vindas de Jesus: a sua vinda à terra pela Encarnação, a sua entrada nas almas pela graça, a sua aparição no fim dos tempos, para julgar a todos os homens”[4].

            Deste modo, percebemos que enquanto a primeira vinda já aconteceu e a segunda vai acontecer, a vinda intermediaria está acontecendoem todos os fiéis que tomam a sério a busca da santidade. Incorporados ao Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, e recebendo dela a Palavra de Deus e a vida sobrenatural da graça – que nos são comunicadas e alimentadas principalmente pelos Sacramentos e pela vida de oração pessoal e comunitária, podemos trilhar o caminho da salvação e da santidade, que Deus nos oferece como um dom, por Seu Filho: “nele, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, no amor” (Ef 1, 4). Faz parte essencial desta “vinda intermediária” aqueles aspectos concretos sem os quais não nos é possível buscar nossa salvação, tais como a ruptura com os pecados mortais (que destrói em nós a vida da graça e da caridade), a recepção dos Sacramentos e a vida de oração. Além disso, os pecados veniais e os demais apegos voluntários, quando não são combatidos, muito nos prejudicam de progredir neste caminho de santificação, que é antes de obra de Deus, mas que ao mesmo tempo exige nossa livre colaboração. Daí a grande conveniência de passarmos por períodos penitenciais, conforme nos instruí a Igreja, a fim de vivermos uma constante purificação e renovação espiritual, para sempre mais nos configurarmos a Cristo pela ação do Espírito Santo. Pois um sábio e antigo adágio nos diz que “na vida espiritual, quem não progride, regride”.

            Assim, o advento é para todos nós um tempo de conversão, oração e espera – com ardente desejo – pelo Salvador que, como vimos, já veio pela Encarnação, continua a vir pelo Mistério da Igreja e virá glorioso para julgar todos os homens. Este Deus Salvador, ao fazer-Se carne, tocou a história para redimi-la e santificá-la. E isto devemos compreender não apenas em sentido geral, mas também em sentido pessoal, conforme os sentimentos de São Paulo: “minha vida atual na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20). Essas palavras “me amou” e “se entregou por mim” devem ecoar em nossas vidas, pois foi por mim, por ti, por todos nós que o Verbo Se fez carne, morreu na Cruz para nos salvar, ressuscitou ao terceiro dia, fundou a Igreja, instituiu a Santíssima Eucaristia e o Sacerdócio, deu-nos Sua própria Mãe como nossa Mãe (Jo 19, 26-27) e Seus Anjos como nossos protetores, auxiliares e irmãos. Neste sentido, a Mãe Gabriele escreve que “o advento é o tempo do recolhimento e da preparação silenciosa. Agimos de forma acertada e no sentido das Sagradas Escrituras, se nestes dias nos ativermos firmes a Maria, a mais pura, a mais humilde, e aos servos dela, os Santos Anjos, nossos protetores e guias”.

Por isso, meditando os diversos modos da “vinda do Senhor”, queremos neste tempo de espera vigilante acolher a graça que nos visita, nos toca e nos transforma, lembrando-nos que esta vida temporal é o tempo de acolher Deus e Sua graça em nossas vidas, para que no dia de nosso juízo, possamos nós mesmos ser acolhidos por Ele. Afinal, a principal preparação para o Natal não é aquela exterior, mas interior: sem esta, aquela não tem sentido de ser. A vida eterna, que o Verbo Encarnado veio nos trazer, não começa apenas com nossa morte, mas já começou com o Batismo. Além disso, é só enquanto vivemos que podemos “conquistar” a eternidade… é só nesta terra que podemos “ganhar” o Céu: depois de nossa morte, já não haverá mais nenhuma possibilidade de decisão e só nos restará o juízo e a sentença eterna: ou Céu, ou Inferno – para sempre!

Portanto, neste tempo tão mariano e tão angélico, apeguemo-nos fortemente ao auxílio de Nossa Senhora e dos Santos Anjos. Eles nos conduzirão ao Presépio… mais ainda, eles nos ajudarão a preparar um presépio em nossos corações, a fim de que na Noite Santa de Natal, o Filho de Deus possa nascer em nós, viver em nós, reinar em nós ainda mais.


[1] Símbolo Niceno-Constantinopolitano

[2] Hino do Ofício das Leituras no tempo do advento.

[3] GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. As Três Idades da Vida Interior. 3. ed. São Paulo: Cultor de Livros, 2023.

[4] TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. 6. ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1961.