A vocação de São José através de um Anjo

Eis como começa a primeira narrativa: “Sua mãe Maria, desposada com José, antes de conviverem, achou-se grávida pela ação do Espírito Santo. José, seu esposo prometido, sendo justo e não querendo expô-la, cogitou em despedi-la secretamente. Enquanto assim ponderava, apareceu-lhe em sonho um Anjo do Senhor, que lhe disse: ‘José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (1, 18-20). O tom da narração é bastante pessoal. Diríamos, até, bastante íntimo e confidencial.

São João Paulo II observou na sua Exortação Sobre a Pessoa e Missão de São José[1]: “Existe uma estreita analogia entre a ‘Anunciação’ do texto de São Mateus e a do texto de São Lucas. O mensageiro divino introduz José no mistério da maternidade de Maria.” São Gabriel visitou Maria para revelar-lhe o plano de Deus e levar de volta a Deus o seu consentimento. Perante a autoridade religiosa, São José já dera o seu consentimento para cuidar de Maria, querendo fazê-lo da maneira mais plena, pura, exclusiva e virginal. Agora, no entanto, “antes de conviverem”, achou-a grávida. Isso causou-lhe dificuldades. Ignorava o que estivesse acontecendo. Ninguém lhe contava nada e, quanto mais evidente ficava a gravidez, mais gentil Maria se tornava para com ele, o que só fazia aumentar-lhe a insegurança.

Alguns chegaram a presumir que São José já estivesse familiarizado com o plano de Deus. Assim, por “reverência à Maternidade Divina”[2], teria sido tentado a afastar-se humildemente de Maria e portanto de Deus: a “admiração e reverência que sentiu na presença de um Deus Encarnado” (mas também o que sabia de si) teria sido mais poderosa nele “do que o amor e a ternura que nutria pela sua esposa”.[3] Acaso sabia realmente o que estava acontecendo?

“Achou-se grávida”, diz o evangelista com muita sobriedade. O que normalmente causa grande alegria aos pais perturbou a São José, porque tanto ele como Nossa Senhora prometeram e viveram uma vida virginal.[4] Há, porém, o mistério de uma “iniciativa divina, que o homem, com as suas próprias capacidades racionais e imaginação, jamais teria podido conceber. Trata-se de uma novidade inaudita e humanamente inconcebível: ‘O Verbo fez-Se carne e habitou entre nós’ (Jo 1, 14a)”.[5]

A batalha espiritual de São José

São José rezara ardentemente pela vinda do Messias, como também o fizera Nossa Senhora. Mas será que um deles ousara esperar que Deus houvesse por bem tornar-se homem aqui e agora, através dela e com a sua cooperação?

São José, “sendo justo”, quis obedecer à lei de Deus. A lei determinava: “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro, com a mulher de seu próximo, ambos serão mortos, tanto o adúltero como a adúltera” (Lv 20, 10). Além disso, ele tinha certeza moral da fidelidade de uma mulher tão santa como Maria.

Consequentemente, se se confirmasse a suspeita da gravidez e se São José não pudesse negar que a origem fosse misteriosa ou simplesmente desconhecida para ele, seria então obrigado a denunciar Maria, expondo-a assim à morte — um pensamento que o levou às raias do desespero.

Só Deus sabe por que fez São José passar por tão árdua luta interior. Esse homem, que através de Sua santíssima esposa se encontrava tão próximo de Deus, ainda assim estava nas trevas quanto à verdade. Ele não pecou por “recusar-se a ouvir a palavra… e assim fechar-se a Deus, que nos chama à comunhão consigo mesmo”.[6] Ele não precisava da purificação do pecado. Não olhava para si mesmo. Não foi movido por uma humildade imperfeita, conquanto sincera, como sabemos de antigos santos como Moisés[7], Isaías (cf. Is 6, 5) ou Jeremias (cf. Jer 1, 6). São José estava consumido pelo cuidado de Maria: por amor a Deus, assumiu a responsabilidade por ela. A sua bondade e amor eram para ele uma grande fonte de alegria.

No entanto, o segredo dela ainda lhe era desconhecido. A gravidez dessa mulher santa e virginal era-lhe incompreensível e causava-lhe uma terrível confusão interior — ao que hoje chamamos “noite escura do espírito” — que cresceu a tal ponto que ele, o homem justo, “cogitou em despedi-la secretamente”, por não querer “expô-la” ao castigo da morte.

Nossa Senhora foi apresentada por um Anjo ao mistério da Encarnação. Vendo São José confrontar-se com a gravidez e percebendo-lhe a crescente luta interior, deve ter implorado cada vez mais fervorosamente ao seu Senhor e Deus, que lhe estava tão próximo. Deve ter pedido ao Anjo que introduzisse também a esse santo homem na obra de Deus e lhe revelasse a Sua vontade. Ela mesma não teve coragem de tocar no assunto. O que só Deus poderia ter feito com ela e nela não cabia senão a Deus contar aos demais. Não é justamente por isso que Isabel pôde saudá-la como a “mãe do meu Senhor” (Lc 1, 43) antes mesmo que Maria tivesse dito algo sobre o mistério? Ela confiou, portanto, que Deus revelaria a José o mistério através de um Anjo, como de fato ocorreu. E podemos afirmar que São José não viria a dever a aparição do Anjo senão a Maria, mãe do Divino Redentor e, com Ele, medianeira de todas as graças.

No último momento, quando José estava prestes a tomar uma decisão, um Anjo revelou-lhe o mistério da maternidade de Nossa Senhora: o “mistério escondido desde os séculos passados em Deus” (Ef 3, 9) foi obra divina. O Anjo libertou a São José das trevas e do iminente perigo de errar gravemente: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo” (Mt 1, 20).
Essa explicação, embora tenha sido predita no passado, vai muito além de todo o enigma de São José. O Anjo não explica apenas a origem da gravidez, mas sabe e comunica muito sobre a criança: será um homem e o próprio Filho de Deus. Esta é a obra de Deus! O Anjo do Senhor afastou uma espessa cortina diante dos olhos de São José e abriu-lhe a vista para o céu, até o mistério do Deus Triúno.

Dizem os teólogos que o mistério trinitário de Deus era desconhecido até Cristo. “O Deus Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou” (Jo 1, 18). Mas o Anjo parece pressupor que São José compreendesse de quem falava: vem “do Espírito Santo”, e o seu “filho” será Aquele que “salvará o seu povo dos seus pecados”. É claro que São José também sabe que só Deus pode perdoar pecados (cf. Mc 2, 7)! Ele já sabia distinguir as diferentes Pessoas em Deus? Não necessariamente. José poderia facilmente ter reconhecido o Espírito divino, o Espírito Santo, sem considerá-lo pessoalmente distinto de Deus, como o fazemos com o espírito de um homem (cf. 1Cor 2, 11).

O que impressiona ainda mais nesse plano de Deus é que ele acontecerá “aqui mesmo”, na sua casa, e ele próprio, “José, filho de Davi”, estará nele envolvido como o marido responsável de Maria, a Mãe deste Divino Redentor! “Não temas receber Maria, tua mulher”; “e tu lhe porás o nome de Jesus.” São José não sabia da sua vocação, até agora, senão através do sumo sacerdote. Isso parece ter permitido, ademais, que ele considerasse “despedi-la secretamente”, mesmo que ela já fosse sua esposa. Mas agora, o Anjo derrama luz divina sobre a criança, sobre a sua mãe e até sobre ele. Por desígnio divino, José será integralmente incluído nesse plano: com autoridade, será “pai” para Ele e O nomeará!

 

 

[1]      São JOÃO PAULO II, Redemptoris Custos, 15 de agosto de 1989, §3.

[2]      E. H. THOMPSON, Vida e Glórias de São José (orig. inglês; primeira publicação em 1888), Dois Irmãos, RS, Minha Biblioteca Católica, 2021, p. 202.

[3]      Ibid., p. 205; cf. p. 205-208.

[4]      Cf. Sto. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, p. III, q. 29, a. 1; J. J. DAVIS, A Thomistic Josephology (Diss.), Montreal, 1967, 33-123.

[5]      BENTO XVI, Verbum Domini, 2010, §11; cf. §29.

[6]              Ibid., VD, §26.

[7]      Cf. Ex 3, 10.13; 4, 1.10.13.

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