Nesta Semana Santa, podemos meditar sobre as chagas do Salvador, começando pelos anúncios da Paixão preditos pelo próprio Senhor: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei …” (Mc. 8, 31) e numa outra passagem: “O Filho do Homem vai ser entregue aos chefes dos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão caçoar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo” (Mc.10, 33-34) e assim nos lembrar que ele foi rejeitado, sofreu na sua carne e avisou estes acontecimentos com antecedência aos seus. A sua paixão, já pré-anunciada pelo profeta Isaias, nos fala do servo sofredor, o qual é “desprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofrimento e experimentado na dor; como indivíduo de quem a gente esconde o rosto, ele era desprezado e nem tomamos conhecimento dele.” (Is. 53, 3)
Quando ressuscita, Jesus aparece aos apóstolos, com seu corpo glorioso, apresentando nele as suas chagas nas mãos, nos pés e no lado. Não com as feridas em todo o corpo, mas, especificamente estas cinco, consideradas pela Igreja, as cinco chagas do Nosso Senhor. Podemos meditar nisso, em que sentido elas são testemunhas do seu amor. São inicialmente um testemunho aos apóstolos e também a todo cristão. Um testemunho veraz sobre o amor de Jesus por cada um de nós, do amor à Sua Igreja, pois Ela mesma reconhece que nasce a partir da doação total de Cristo realizado na Cruz, da água e sangue que jorraram do seu lado aberto (Cfr. Catecismo 766). Ele mesmo não poupou nada para si, mas o deu tudo para Sua Igreja, para fundá-la, fazê-la crescer e santificá-la.
As chagas do Senhor: Santificação do Sofrimento humano
Jesus, além de santificar com a sua obra redentora a Sua Igreja, quer santificar, por meio dela, outras realidades. Podemos ver como ele toma a criação material e a transforma, como por exemplo o madeiro da Cruz: duas hastes que representavam a ignominia, o repudio, a maior humilhação para uma pessoa, transformando-as no signo de salvação e redenção, passando a ser chamada de Santa Cruz e a ser venerada pela Igreja, pois Ela reconheceu como DEUS transformou este mal num bem.
De igual maneira, podemos contemplar como Ele transformou e elevou o sofrimento, nas suas Santas Chagas. Foram estas feridas profundas, parte do seu oferecimento ao Pai, das quais jorraram graças para a Igreja, como portas abertas que transmitem graça sobre graça. Ele mesmo utilizou destas dores, destas adoráveis feridas, para entregar à Sua Igreja, e ao mundo através dela, estas graças tão especiais e únicas e, ao mesmo tempo, o testemunho da transformação do sofrimento humano até o ponto de santificá-lo. A nossa mãe Gabriele escreve num dos lemas sobre isto: “Quantas foram as chagas que Nosso Senhor aceitou por amor de nós, são outras tantas portas de amor e de misericórdia que Ele abriu para nós.”
Como membros da Igreja, é nos possível unir os nossos sofrimentos, dores, rejeições aos de Jesus Cristo Crucificado. Sofremos alguma humilhação? Elevemos o nosso olhar a Jesus na Cruz, que recebe, ainda hoje, tanta zombaria e vejamos as suas chagas abertas gotejando sangue pela nossa redenção, unamo-nos profundamente a Ele e ofereçamos o que estamos vivendo pelos nossos irmãos que mais sofrem. De igual maneira ele poderá transformar as nossas chagas, se as escondermos nas Suas, se nos escondermos nas d’Ele. Na oração “Alma de Cristo”, confiantemente pedimos isto ao Senhor numa das frases: “dentro das Vossas chagas escondei-me”. De igual maneira o Profeta Isaias nos fala sobre as chagas do servo sofredor: “Por suas feridas é que veio a cura para nós.” (Is. 53, 5). Quanto devemos meditar nesta frase, que nos desvela em poucas palavras grandes verdades!
O doutor Melífluo, São Bernardo de Claraval, oferece-nos no seu sermão 61 sobre o cântico dos cânticos, umas linhas sobre as chagas do salvador e a nossa atitude perante elas: “Onde, verdadeiramente, encontra-se um lugar de descanso, seguro e tranquilo, para as nossas debilidades senão nas chagas do salvador? Quanto mais nelas hábito com seguridade, tanto mais poderoso é Ele para salvar-me. Grita o mundo, oprime o corpo, espreita o demônio, mas não caio pois estou fundado sobre a pedra firme. Se cometo um grande pecado: minha consciência é turbada, mas não perturbada, porque recordarei as chagas do senhor. Pois verdadeiramente foi ferido pelas nossas iniquidades. O Que é tão mortífero, que não seja destruído pela morte de Cristo? Se, pois, lembro-me de tão forte e tão eficaz medicamento, já não posso ser aterrorizado pela maldade de enfermidade alguma.”[1]
São Bernado ensina-nos a confiança que devemos ter, para ir ao encontro do Senhor, quem não receia em apresentar-Se com as chagas abertas, sinal da paixão, da ressurreição e da Santificação de toda a condição humana, incluída a dor. Assim temos duas realidades, uma em face da outra: Num lado, toda dor que carregamos, toda humilhação, rancor e ressentimento que são como feridas ou chagas, que estão supurando, que estão infeccionadas e nos impedem de amar a DEUS e ao próximo com liberdade inteira. No outro lado, as chagas do salvador, que irradiam luz e das quais jorram graças, nas quais encontraremos descanso. Ele mesmo apresenta-nos primeiro as suas dores e feridas, para que tenhamos a coragem de fazer o mesmo: Apresentar-Lhe as nossas feridas, sem máscaras. Assim, confiadamente, escondemo-nos nelas, onde Ele agirá em nós, transformando-as à imagem das suas próprias feridas, que são marcas de perdão, de santificação e de igual maneira, portas de graça para a Igreja. As misérias da nossa condição individual, são “cobertas”, “escondidas” e até curadas por meio destas chagas de redenção. Lemos novamente do profeta Isaias que “por suas feridas é que veio a cura para nós.”(Is. 53, 5) Tudo isto porque Ele entregou-se e foi rejeitado, caçoado, cuspido e entregue à morte e morte de cruz, por cada um, e desta maneira podemos afirmar com plena certeza que Ele faz novas todas as coisas.
As chagas do Senhor: Remédio para o nosso Orgulho
Ao mesmo tempo, podemos ser curados de feridas mais profundas: as do orgulho. Apresentamos quatro sentidos de como Ele age na nossa maior fraqueza.
Nós não podemos transformar a dor em graça, só DEUS mesmo pode fazer uma obra tão impressionante e completa. Precisamos d’Ele e somente unidos a Ele é que a nossas dores, nossos sofrimentos, são transformados. Devemos aprender, com humildade, que sem Ele nada podemos fazer e que é n’Ele que nós daremos frutos abundantes. Sozinhos, nossa dor e sofrimento tem pouco ou nenhum valor, mas n’Ele, com Ele e por Ele, são transformados num valor infinito. Assim, reconhecendo nossa miséria e dependência d’Ele, começará a cura do nosso Orgulho. Lembremos: “Por suas feridas é que veio a cura para nós.” (Is. 53, 5).
Ele nos cura do Orgulho, por meio das suas chagas, num outro sentido: O meio pelo qual nos cura, são as suas feridas, infligidas no seu corpo por cada um de nós, por causa dos nossos pecados. As chagas também são um testemunho silencioso da dor que Lhe causamos, porém mais importante do que isso, como já dissemos, são testemunho do seu amor, do seu perdão. Isto atinge o nosso orgulho, pois quem perdoa e cura ao próprio carrasco, como Cristo, usando das mesmas chagas que sofreu por nós? Isto deveria causar-nos dor, vergonha e, ao mesmo tempo, um sentimento de gratidão cada vez maior.
E assim chegamos numa outra forma da cura do Orgulho, pois se Ele que foi rejeitado, chicoteado e ferido, perdoa, então não há queixa humana nem desculpa para não perdoar, para não amar. Lembremos novamente: “por suas feridas é que veio a cura para nós.”(Is. 53, 5). Perdoar é crucificar o nosso orgulho e isto pode ser difícil no início, mas confiamos em que Ele virá em auxílio da nossa fraqueza, se assim o pedirmos. É somente N’Ele que perdoamos verdadeiramente.
O último sentido a meditar sobre a cura do nosso orgulho é: depois que Ele nos apresenta as suas chagas e assim procurando perdoar, encontraremos o nosso próximo. Aquele nosso irmão que também leva chagas no seu corpo, na sua alma, ele também sofre vexames até piores do que os nossos. Não esquecendo que, cada um de nós pode ser o causador de alguma destas feridas que nosso próximo leva em si. Ao vermos isto no outro, tenhamos misericórdia com ele e procuraremos, de um lado ressarcir o mal feito e, por outro, procuraremos ter atitudes de verdadeira caridade com aquele, que é meu irmão e que leva as suas chagas abertas. Poderemos ser, se DEUS quiser, instrumentos da sua misericórdia, levando-o a Cristo, para ser, de igual maneira, curado.
Sendo então, curados por Jesus em todos estes aspectos, obteremos aquela liberdade da qual escreve São Paulo, a liberdade dos Filhos de DEUS, para amar a DEUS e ao próximo, liberdade que nos dá uma verdadeira dignidade, filhos no Filho, imitando-O na dor, na missão de salvar almas, sendo meios de graça para a Igreja! Quanto amor! Quanta Misericórdia! Quanta Graça!
Já escrevia a Beata Alexandrina Maria na sua autobiografia, que ela se arrependia de não ter aproveitados certos sofrimentos da sua infância, pois era ciente do verdadeiro valor das suas chagas escondidas e unidas às de Cristo! Não percamos então a oportunidade de, unidos a Ele, salvar almas. Assim como Ele se fez oferta de expiação, a vida do cristão deve ser uma conformidade com a de Cristo, trabalhando pela redenção e salvação das almas. Lembremos que não estamos sozinhos e que a Nossa Mãe, a Virgem Maria ajuda-nos neste ponto, ela que formou no seu seio e no seu coração ao Filho de Deus, pode formar em cada um de nós a imagem de seu Filho. Escondidos n’Ele, nas suas chagas, seremos lavados do nosso pecado, curados do nosso orgulho e morrendo para o mundo, ressuscitaremos com ELE
Ó quão doces são estas chagas que nos abrem as portas da graça e misericórdia. Vamos ao encontro do Senhor nesta Semana Santa, levemos as nossas misérias e escondamo-las nas suas chagas. Ali peçamos o preciosíssimo Sangue e Água para todo o corpo da Igreja e o ofereçamos de maneira especial pelo Santo Padre, pelos bispos e sacerdotes, pelos religiosos do mundo inteiro, por todos os filhos de Deus que mais necessitam. E deixemo-nos tocar pelo Senhor, que Ele palpe as nossas chagas com as suas, transformando-as, mesmo que possa nos doer. Que o sangue preciosíssimo brote delas e corra em nós, por nossas veias, em cada comunhão e nos transforme, transforme as nossas vidas e tudo o nosso entorno, para viver somente com Ele e n’Ele.
Queremos terminar esta meditação sobre as chagas do Senhor com uma singela recomendação da nossa Mãe Gabriele: “Reza muitas vezes: ‘Senhor na Cruz, encerrai-me dentro das Vossas chagas. Lá estarei abrigado contra a minha própria fraqueza e serei somente Vosso! Amém.'”
[1] São Bernardo, sermão 61, n.3 A tradução do texto é propria