Homilia proferida pelo Padre Vicente Maria no Domingo de Páscoa,
na Missa conventual do Mosteiro Belém.
“Cristo Ressuscitou, aleluia!
Em verdade ressuscitou, aleluia!”
Queridos Irmãos e Irmãs, hoje todo orbe cristão está em festa: alegram-se os Santos, louvam os Anjos. Toda a Igreja está exultante de alegria, porque Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado, mas ressuscitou e trouxe a nós uma vida nova. «Imolado, já não morre; e, morto, agora vive eternamente».[1]
Há três anos atrás, quando ainda era diácono, recordo-me de ter feito a homilia na vigília pascal na qual mencionei que muitas vezes se discutiu qual seria o momento da páscoa no Antigo Testamento: o momento em que o Anjo exterminador passou matando os primogênitos do Egito ou o momento em que o povo de Israel passou pelo Mar Vermelho. Na altura, eu falei que isso eram dois momentos do único evento salvífico de Deus na história de Israel. Depois ainda mostrei que isso era figura para a realidade que nos chegaria com Cristo. Também n’Ele, em Cristo, temos dois momentos do único evento salvífico: temos a Páscoa da Cruz pela morte do Senhor e temos a Páscoa da Ressurreição, pela qual Cristo ressurge dentre os mortos para uma vida nova. Isso está expresso também na fé da Igreja, contida no Catecismo da Igreja Católica: «Cristo ressuscitou dos mortos. Por sua morte venceu a morte, aos mortos deu a vida».[2] «Há um duplo aspecto no Mistério Pascal: por sua Morte Jesus nos liberta do pecado, por sua Ressurreição Ele nos abre as portas de uma nova vida».[3]
Com a presente homilia, gostaria de focar um pouco nesse segundo momento da Páscoa do Senhor, ou seja, a Páscoa da Ressurreição. Sendo mais específico, gostaria de pensar com vocês nesse fruto maravilhoso que a Páscoa da Ressurreição nos trouxe: o Céu!
Sabemos que através da Sua morte, Cristo nos libertou do pecado e nos reconciliou com Deus – são estes os principais e preciosos frutos da morte do Senhor. Pela Páscoa da Cruz fomos redimidos de nossos pecados e somos agora reconciliados com Deus.
Já a ressurreição de Jesus tem como principal fruto, abrir-nos o céu, ou seja, o Cristo nos abre uma porta para a vida eterna e dá para nós esperança de salvação. É isso que escutamos na sexta-feira com aquela promessa maravilhosa que Ele faz ao bom ladrão – promessa que se estende a cada um de nós: «Ainda hoje estarás comigo no Paraíso!».
Essa realidade nos é mostrada na oração da coleta de hoje: «Ó Deus, no dia de hoje, por Vosso Filho, vencedor da morte, nos abristes as portas da vida eterna. – Que realidade maravilhosa! Jamais poderemos agradecer suficientemente por isso! – E a oração continua: Concedei que, celebrando a solenidade da Sua ressurreição, renovados pelo Vosso Espírito, ressuscitemos para a luz da vida».
Queridos Irmãos e Irmãs, o pobre homem, expulso do Paraíso após o pecado, feito inimigo de Deus e dos Anjos, pode agora encontrar o caminho para casa através da Ressurreição do Senhor. Se antes éramos merecedores do fogo do inferno pelos nossos pecados, merecedores do mesmo destino do Diabo com seus anjos, agora somos merecedores de ser concidadãos dos Anjos no Céu pela morte e ressurreição do Senhor, filhos adotivos de Deus, herdeiros da Sua graça, habitantes do céu. O Senhor perdoou nossos pecados, livrou-nos do fogo do inferno, e nos deu a possibilidade de alcançarmos o Céu! – Aliás, essa dupla dimensão da Páscoa com seus frutos nos é recordada diariamente na oração do terço, quando rezamos: «Ó meu bom Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem».
A celebração da Páscoa do Senhor deve nos trazer à mente que somos cidadãos do Céu. Se nossos pobres pais perderam, pelo seu pecado, o paraíso, Cristo nos alcança – pela sua morte, e morte de Cruz – o verdadeiro Paraíso e nos introduz no Reino dos Céus. Hoje torna-se realidade aquilo que ouvimos no maravilhoso ofício das leituras de ontem: «Eu te ordeno: acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos».[4]
São Paulo também vai nos exortar no dia de hoje a pensarmos nessas realidades futuras que nos virão pela ressurreição de Cristo: «Irmãos, se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres». Irmãos e Irmãs, busquemos as coisas do alto! Busquemos o Céu! O Céu é possível para nós, pois Cristo nos abriu as portas do Reino do Pai. O Seu Coração aberto é sacramento de salvação para nós. Por esse Coração adorável, aberto por nós, podemos ter acesso ao Pai, podemos habitar no Céu!
Mas aqui poderíamos nos perguntar: o que é o Céu? – Eis aí uma boa pergunta! Todos ansiamos pelo Céu, mas nos é tão difícil falar sobre essa realidade tão linda e maravilhosa. A dificuldade se encontra pelo fato de que nada do que dissermos poderá tocar minimamente aquela realidade maravilhosa que nos espera. São Paulo, a quem foi dado a graça de ser arrebatado ao terceiro céu (cf. II Cor 12,2), vai dizer-nos que nada nesse mundo merece ser comparado com aquela glória que será revelada em nós, glória que o próprio Cristo ressuscitado nos alcançou: «Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós» (Rm 8,18).
E ele nos diz isso não da boca para fora, mas ele experimentou isso na realidade. Ele nos diz o que experimentou por Cristo e pela Igreja de Deus no seu ministério apostólico: «as fadigas, as prisões, os açoites. Muitas vezes, vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Três vezes fui flagelado. Uma vez, apedrejado. Três vezes naufraguei. Passei um dia e uma noite em alto-mar. Fiz numerosas viagens. Sofri perigos nos rios, perigos por parte dos ladrões, perigos por parte dos meus irmãos de estirpe, perigos por parte dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos por parte dos falsos irmãos! Mais ainda: fadigas e duros trabalhos, numerosas vigílias, fome e sede, múltiplos jejuns, frio e nudez! E isto sem contar o mais: a minha preocupação cotidiana, a solicitude que tenho por todas as Igrejas!» (II Cor 11,23-28).
E para esse grande Apóstolo, o que é o céu? – Em Fl 1,23 ele responde que seu grande desejo é partir e ir estar com Cristo! Isso é o Céu para esse Apóstolo; isso é o Céu para nós! Estar com Cristo! Estar com o Pai! Estar com Deus!
Ver a Deus! Visão beatífica – eis o gélido termo teológico que designa aquela resplandecente realidade que ultrapassa qualquer imaginação ou descrição humana: o Céu!
Essa visão não é apenas uma ‘visão‘ de Deus , no sentido próprio do termo, mas designa uma união com Ele. Deus que toma posse da alma, e a alma que possui a Deus, numa unidade tão inteiramente arrebatadora que supera sem medida a unidade do amor humano mais perfeito. Enquanto a alma ‘entra’ no céu, o impacto do Amor Infinito que é Deus é uma sacudidela tão forte que aniquilaria a alma se o próprio Deus não lhe desse a força necessária para suster o peso da felicidade que é Ele mesmo. Esse momento nos trará uma felicidade que ninguém nos poderá arrebatar. Esse instante é o instante da máxima ventura, ventura absoluta e plena que jamais terminará. É a felicidade eterna… É o Céu! O Céu![5]
Irmãos e Irmãs, tenhamos essa plena certeza: nada nesse mundo merece ser comparado com a glória que nos será revelada! Vale à pena lutar para conquistar o Céu, que já nos foi ofertado por Cristo Ressuscitado! Mãos à massa! Trabalhemos para ganhar o Céu e sermos encontrados com Cristo. A porta está para nós aberta, o caminho está aplainado. Temos nossos guias nessa caminhada – os Santos Anjos. Vamos. Adiante! Em direção ao Céu!
«Irmãos, se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres». Aspirai o Céu!
Que a Virgem Santíssima, que já goza dessa ventura na medida máxima que alguma criatura pode conseguir, interceda por nós e nos conceda a graça de estarmos com ela, amando e adorando o seu Filho Ressuscitado.
A Ele louvor, honra, glória e adoração por todos os séculos dos séculos. Amém.
[1] Prefácio da Páscoa III.
[2] CEC 640.
[3] CEC 654.
[4] Ofício das Leituras para o Sábado Santo.
[5] Para essa parte, cf. Leo Trese, A fé explicada. – A ressurreição da carne e a vida eterna.