Há um detalhe da vida íntima de Nosso Senhor que São Lucas felizmente confidenciou-nos em seu Evangelho. A certa altura do enredo, ele afirma: “Jesus estava rezando num certo lugar” (Lc 11, 1). O evangelista não indica o lugar e, apoiados unicamente neste versículo, julgaríamos que o Senhor estivesse a sós. No entanto, as linhas seguintes revelam que, “quando terminou [de rezar], um de seus discípulos Lhe fez um pedido”. De súbito, somos surpreendidos com a presença silenciosa de vários personagens; sem dúvida, observavam, admirados, a oração do Senhor.
O que se lhes passava ao coração ante os encantos secretíssimos daquele diálogo entre o Pai Celeste e o Filho de suas complacências? A ousadia de um deles talvez nos dê forneça alguma pista. Mal terminara a oração, Jesus recebe um pedido: “Senhor, ensina-nos a rezar.” Uma súplica súbita e ardente. Com ternura que a todos entusiasmaram, respondeu Jesus: “Quando rezardes, dizei: Pai…”. Qual não deve ter sido a alegria geral por terem sido, eles mesmos, admitidos à sorte do Filho, associando-se à mesma relação filial para com Deus – “Pai nosso que estais nos céus…”.
À luz deste trecho, reconhecemos que algo semelhante também ocorre entre nós e os Anjos. A fé ensina-nos que ao nosso lado está o Santo Anjo da Guarda para proteger-nos, corrigir-nos e conduzir-nos ao céu. No entanto, além de seu ofício tutelar, contempla ao mesmo tempo a Glória do Altíssimo e, unido à multidão de todos os Anjos e Santos, entoa incessantes cânticos de louvores e adoração ao Deus Uno e Trino. Ora, se tivéssemos a fé – ainda que do tamanho de um grão de mostarda – suficiente para saborearmos a profundidade deste mistério, sentiríamos o coração arder e, à semelhança daquele enlevado discípulo do Evangelho, suplicaríamos ao Anjo: “Ó meu Bom Anjo, que contemplas a Deus na glória do Céu, peço-te: ensina-me a rezar.” Esta súplica, brotada da mais viva fé e do amor, seria razão não pouco júbilo para o nosso irmão celeste.
Que oração, a propósito, o Anjo nos ensinaria? Antes de mais nada, recordemos em que consiste a sua oração. A Escritura nos revela que os Santos Anjos são criaturas que vivem totalmente para a adoração de Deus. Lê-se no livro do Apocalipse: “E todos os Anjos que estavam de pé, em volta do trono e dos Anciãos e dos quatro Seres vivos, prostravam-se, com o rosto por terra, diante do trono. E adoravam a Deus, dizendo: ‘Amém. O louvor, a glória e a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força pertencem ao nosso Deus para sempre. Amém’” (Ap 7,11-12). Certa vez, Mãe Gabriele recordava aos membros da OA: “Cada um de nós sabe que a adoração é a primeira coisa na Obra dos Anjos. É a primeira coisa que o Anjo, veementemente, nos ensinou e exigiu de nós. Deus deve ser o nosso mais-que-tudo, o centro da nossa vida, do nosso pensar e agir, a meta dos nossos desejos e planos, a norma para todas as nossas decisões.”
Sendo a adoração a primeira das atitudes do Anjo, aquela que mais profundamente exprime o seu ser, por conseguinte, será esta precisamente a mais bela oração a ser ensinada por ele. Particularmente, há uma, frequentemente pouco valorizada em seu alcance para a vida espiritual, mas muito estimada entre os Anjos: é o hino oracional do Sanctus, o cântico de adoração que os espíritos celestes fazem ressoar na eternidade diante do Trono de Deus. A Escritura declara: “No centro, em volta do trono, havia quatro seres vivos […] Dia e noite, sem cessar, proclamavam: ‘Santo! Santo! Santo! Senhor Deus Todo-poderoso, aquele que era, que é e que vem’” (Ap 4, 6b.8). Estamos em face de uma oração potente, nascida nos esplendores da eternidade e que, trazida até nós pelos Anjos, compõe a Liturgia da Santa Missa – e, não menos, destinada a recompor a atmosfera do nosso dia a dia.
Se bem compreendida e cultivada, tal invocação assume os contornos precisos de uma autêntica escola de oração e de virtudes. Por ela, somos educados à reverência, ao silêncio amoroso, à humilde escuta do Senhor, à prontidão para todo e qualquer sacrifício pela glória de Deus. Por ela também nos associamos à Liturgia Celeste – sursum corda; por ela, unimo-nos à adoração dos Santos Anjos; por ela, enfim, afugentamos as seduções do demônio.
Os membros do Opus Angelorum, chamados a empenhar-se com o Santos Anjos no combate espiritual pelo Reino de Deus, procuram rezar frequentemente a oração do Sanctus como a mais nobre jaculatória do combatente e, não menos, o seu exorcismo mais eficaz enquanto comum ato de Adoração de Anjo e Homem a Deus Todo-Poderoso. Mãe Gabriele, a propósito, escreveu: “É certo que conhecemos esta oração, rezamo-la em cada santo Sacrifício da missa. É a oração dos Anjos, completamente direcionada a DEUS, ao Seu louvor. Tem tal força, que passou a ser um terror aos demônios. Tranquilamente podemos afirmar: esta oração é o nosso exorcismo de leigos, a mais rápida e segura arma em qualquer tentação, em qualquer tribulação. Imediatamente faz com que o ar à nossa volta se torne limpo e claro. Alegria, confiança, coragem e um grande amor de DEUS sobrevêm ao nosso coração. Toda a agitação do cotidiano que quer nos massacrar cai por terra se rezarmos esta oração vagarosa e devotamente.”
Cada oração do “Sanctus” – enraizada em uma sincera decisão da alma de adorar e servir a Deus, de querer permanecer em seu Amor (amor-eucarístico) e, desde então, tornar-se um fiel colaborador junto aos Santos Anjos – opõe-se diretamente à atitude nefasta dos demônios. É adoração reverente, reconhecimento da infinita grandeza, majestade e santidade de DEUS. Esta santidade é a razão mais profunda do “Afasta-te!” de DEUS dirigida aos demônios (cf. Mt 25,41), como também a de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua tentação no deserto: “Afasta-te, Satanás, pois está escrito: «Adorarás o Senhor, teu DEUS, e só a Ele prestarás culto»” (Mt 4,10).
Se reconhecemos a força desta oração que, sem dúvida, traz o céu à terra, somos capazes então de aquilatar o conselho de Mãe Gabriele: “Cada «Sanctus!» que pronuncias santifica o lugar onde te encontras e o tempo em que vives.” O Sanctus que entoamos na Santa Missa deve tornar-se o primeiro de muitos outros ao longo do dia, um ponto de partida luminoso, destinado a prolongar as graças eficazes da Santíssima Eucaristia e a disciplinar o olhar da alma, em cada sacrifício que a providência assim o exigir, a fim de que jamais se desvie da face do Crucificado. Em suma, sirva esta oração como prolongamento da nossa união com o Senhor, na Cruz e no Santíssimo Pão.
Conscientes da presença do Bom Anjo ao nosso lado, deveríamos sempre e por toda a parte elevarmos o olhar da fé até ao trono de Deus e, unidos intimamente ao Santo Anjo, entoarmos o “nosso” cântico de adoração: Sanctus! Sanctus! Sanctus! O Papa Pio XII, numa alocução aos 8 de maio de 1940, chegou a dizer que “a repetição do louvor a Deus ‘Santo, Santo, Santo’ em qualquer situação” é um pequeno ‘antegozo na terra da vida no céu’ onde Anjo e homem louvam juntamente a Deus”.
Ademais, em lugares e situações que notarmos a presença e a atuação do mal – impurezas de toda ordem, discórdias, rebeldias, profanações, maledicências, mentiras etc. – reajamos silenciosamente com um Sanctus reparador. Com isso, oferecemos uma autêntica resistência ao mal. Precisamente aí “o Sanctus está à nossa frente como tocha luminosa, como estaca que podemos cravar diretamente na terra: aqui é solo de DEUS. Onde está o Sanctus já não se posta nenhum demônio, o chão está para ele como em brasa.” (Mãe Gabriele).
Sanctus! Sanctus! Sanctus! Eis o refrão celestial destinado a preencher os intervalos da nossa jornada e afazeres, sustentar a nossa peregrinação, educar-nos para a Adoração, fecundar a nossa Contemplação, fortalecer o nosso empenho de Expiação. Associando-nos de tal modo ao cântico incessante do Anjo, seremos cada vez mais portadores de Sua graça, instrumentos afinadíssimos de Sua presença e atuação no mundo – tudo isto, graças ao nosso zelo em viver na presença dos Anjos. Deus vos abençoe, sempre!